Há mais de duas décadas o termo User Experience (UX) começou a ganhar notoriedade na área de design depois da publicação do artigo de Norman (1995), à época o autor expôs as pesquisas sobre os usuários e aplicações da interface humano-computador realizadas nos produtos da Apple. Após duas décadas de desenvolvimento na área, as pesquisas geraram um corpo substancial de teorias e modelos sobre experiência do usuário, atribuindo uma boa experiência a uma maior aceitação/lealdade do público e sucesso do produto (KUJALA, 2011). Devido a estes fatores, atualmente, empresas alocam pessoas e investimentos específicos para garantir a qualidade da experiência do usuário (SPROLL, 2010).
Definições de Experiência do Usuário
Apesar do desenvolvimento na área, a aceitação de uma definição ainda é limitada. Segundo Hassenzahl, M. (2008), experiência do usuário é um sentimento momentâneo, principalmente avaliativo (bom-mau), enquanto interage com um produto ou serviço. Verifica-se que o foco da definição tem um caráter avaliativo, resultando em uma experiência boa ou ruim. Os autores Norman e Nielsen (2016) definem UX como todos os aspectos da interação do usuário com a empresa em relação a seus produtos e serviços. Todavia, não especificam de forma clara que tipo de interações e aspectos estão englobados, o que acarreta uma imprecisão do conceito na área de design. Com uma abordagem voltada as emoções, Schulze e Kromker (2010) definem o termo como o grau de emoções positivas ou negativas que podem ser experimentadas por um determinado usuário em um contexto específico, durante e após o uso do produto e que motivam as pessoas a usarem posteriormente o produto.
Para endereçar este problema em relação às definições do termo UX, Law (2009) desenvolveu uma pesquisa com 275 pesquisadores e profissionais da academia e da indústria para responder um questionário sobre o significado da experiência do usuário. Segundo os resultados da pesquisa, a maioria dos participantes concordaram que se trata de um conceito dinâmico no qual depende de um contexto e é subjetivo. Um ponto notável na pesquisa, foi que quanto maior a experiência profissional na área de UX, menor foi a concordância sobre a necessidade de uma definição deste termo. Segundo o pesquisador, uma definição explícita pode ser vista como uma ferramenta de comunicação para quem não é especialista em UX. É o que acontece frequentemente nos workshops de UX, Design Thinking e Design de Serviços. Vários profissionais de áreas diferentes tentando entender como funciona o processo de design e qual a “mágica” está por trás disso tudo. Para isto, é necessário ser mais didático e mostrar as definições de forma clara servindo como uma ferramenta de comunicação aos iniciantes, no entanto, as perdas neste processo de ensino e o distanciamento da prática do design ocorrem a olhos vistos.
Neste ponto, surgiu um novo cargo na área de design e ux, os especialistas em workshops e palestras. Pessoas aparentemente experientes mas na prática é uma nuvem nebulosa de habilidades que se confundem com argumento comercial e marketing pessoal. Para quem trabalha na área sabe da importância de workshops e dinâmicas em grupo para extrair diversas informações que são úteis no processo de design mas não existe mágica. O artigo de Jared Spool fala muito bem sobre isto em relação a Design Thinking.
Uma definição mais adequada de UX foi desenvolvida pela ISO 9241–210 no qual define a experiência do usuário como um conjunto de percepções e reações de uma pessoa que resultam da utilização de um produto, sistema ou serviço. Incluindo também suas emoções, convicções, preferências, respostas físicas e psicológicas, comportamentos e realizações do usuário referente aquele artefato que ocorrem antes, durante e depois do seu uso. Percebe-se pela definição o aspecto amplo e mais abrangente. Esta definição está alinhada com a visão da maioria dos pesquisadores sobre a subjetividade da experiência do usuário (LAW, 2009). A imagem abaixo representa a experiência do usuário por uma perspectiva temporal: passado, presente e um perspectiva de futuro. Adiante falaremos mais sobre isto.
Reflexões sobre os Métodos de Avaliação de Experiência do Usuário
Levando em consideração que uma boa experiência do usuário é algo desejável, verifica-se a importância do desenvolvimento e estudo de métodos que avaliem essa experiência de forma consistente. Vermeeren (2010) levantaram 96 métodos diferentes desenvolvidos na academia e na indústria, mostrando um grande interesse e desenvolvimento da área. Apesar dos avanços ainda existe um elo fraco entre as teorias de experiência do usuário com os métodos criados (PETTERSON et al 2018).
Em uma revisão sistemática com base em 24 artigos sobre a avaliação da experiência do usuário, Maia e Furtado (2016) identificaram 4 padrões nos métodos de avaliação em UX: (1) os pesquisadores têm uma tendência a preferir métodos qualitativos; (2) as medidas psicofisiológicas não são amplamente utilizadas na área; (3) a maioria dos métodos de avaliação são estudos transversais, coletando informações em um momento específico e (4) não são feitos em tempo real na aplicação.
A problemática dos métodos qualitativos para avaliar UX é a dificuldade de generalização dos resultados obtidos. Como generalizar os dados e as informações obtidas de uma análise qualitativa? A interpretação errada das informações pode orientar empresas para um direcionamento errado em relação a seus serviços e produtos devido a falta de validade estatística. Por outro lado, as pesquisas quantitativas têm um risco, para serem válidas precisam ser realizadas por profissionais muito bem especializados, como defende Nielsen (2004). Isto porque, as pesquisas quantitativas são feitas de forma imprecisa, sem o rigor necessário para inferir informações válidas. Em termo gerais, a etapa de avaliação pode ser prejudicial ao processo de design quando isto é feito sem uma reflexão dos métodos que são utilizados (Greenberg e Buxton, 2008).
Evaluation can be ineffective and even harmful if naively done ‘by rule’ rather than ‘by thought’
by Bill Buxton (Principal Researcher at Microsoft Research)
É preciso entender que tipo de conhecimento está sendo agregado para que sua empresa possa tomar decisões mais assertivas em relação a seus serviços e produtos. Os dados, as informações e os conhecimentos extraídos dos métodos de avaliação de UX de fato representam o todo? É possível generalizar as informações encontradas? Quais tipos de insights serão aplicados? Dependendo do contexto, são perguntas não triviais. A escolha dos métodos de avaliação deve ser apropriado para os objetivos de pesquisa sob consideração. É preciso frisar que a combinação de pesquisas qualitativas e quantitativas é um bom sinal para responder vários problemas de pesquisa.
O Papel da Expectativa na Experiência do Usuário
Em um estudo mais abrangente, Petterson (2018) revisou 100 artigos e identificou outro problema, os métodos de avaliação de UX tendem a ser desenvolvidos por conta do próprio pesquisador levando em consideração as visões pessoais dos pesquisadores sobre UX ao invés de usar métodos e teorias já validadas. Ainda segundo os autor, um fator pouco abordado nas avaliações de UX é referente a expectativa do usuário em relação ao artefato. Ou seja, o que o usuário idealmente espera de um produto e como este produto supre suas expectativas ao longo do tempo, esta característica tem um forte impacto na experiência do usuário como um todo. No diagrama de UX desenvolvido anteriormente podemos perceber que a experiência do usuário permeia um espectro do tempo incluindo experiências passadas, o presente, uma expectativa de futuro e como essa expectativa é suprida.
Quando realizamos uma avaliação ou uma medição, nosso cérebro não se fia apenas nos estímulos perceptivos diretos. Ele também integra outras fontes de informação — como a nossa expectativa.
O Andar do Bêbado por Leonard Mlodinow (2009)
Para exemplificar a influência de experiências passadas e expectativas, no artigo Too Good to Be Bad: Favorable product expectations boost subjective usability ratings , os pesquisadores dividiram os participantes em dois grupos. O grupo A iria ler um review positivo ou negativo do aplicativo que eles iriam usar. O grupo B não iria ler absolutamente nenhum review (grupo de controle). Metade dos participantes iriam desenvolver tarefas difíceis e a outra metade tarefas triviais e fáceis, ao final, foi medido questões de performance e aspectos subjetivos acerca do usuário. O resultado encontrado foi muito interessante, os usuários que leram um review positivo pontuaram melhor o aplicativo testado quando comparado com aqueles que leram o review negativo e com os que não leram nenhum review. Mesmo em situações onde o usuário falhava e não conseguia completar as tarefas difíceis, este efeito também foi observado. Os pesquisadores pontuaram três reflexões sobre o experimento:
- Quais tipos de expectativas sobre o produto os participantes trazem com eles para o teste;
- O quão bem essas expectativas representam as da população de usuários pretendida; (mesma problemática citado anteriormente sobre métodos qualitativos)
- Como a própria situação do teste influência e pode influenciar essas expectativas. (Neste caso os autores falam do contexto que foi feito o teste. Situação real ou em laboratório? Com mediação ou sem Mediação? etc.)
As empresas precisam ao longo do tempo suprir as expectativas dos usuários para garantir um boa experiência do usuário, e isto não é fácil. Este desafio é exposto por Jared Spool nas suas palestras sobre o Kano Model. Segundo Jared Spool aquilo que era considerado uma grande funcionalidade e trazia uma ótima experiência do usuário (delightful experience), com o passar do tempo, tende a ser vista como algo básico e trivial (basic expectations). Afinal, quem ainda fica impressionado em compartilhar várias fotos e vídeos no Whatapp? Entre 2000–2010 se você era da operadora TIM, você com certeza pagou quase um real (R$ 0,99) por foto compartilhada via MMS e quase dois reais (R$ 1,99) se for de celular para e-mail. O lançamento de plataformas conversacionais que permitem o compartilhamento ilimitado de vídeos e fotos de forma fácil e intuitiva foi vista como algo excepcional, hoje é algo trivial. O primeiro iPhone lançado foi uma inovação, hoje é sucata. E assim por diante.
Um caminho sem fim…
Por esta e outra razões, um produto/serviço nunca está finalizado, os ciclos de interações precisam ser constantemente observados e refinados para obter uma boa experiência do usuário ao longo do tempo. O contexto sempre é passivo de mudança e quando isto acontecer é preciso estar preparado, a solução precisará se adaptar. O mercado e o usuário vão absorver várias características e funcionalidades que antes eram tidas como incríveis mas que agora são apenas o status quo. Também por esta perspectiva, observa-se a necessidade de INOVAR, não apenas criar novas funcionalidades e sim, criar novos produtos, serviços e processos para manter o retorno de investimento da empresa. Por conta disto, UX é importante no contexto de todos, seja para o negócio, para produto, para o usuário ou para o designer.
Referências:
- NORMAN, D., MILLER, J., HENDERSON, A. What you see, some of what’s in the future, and how we go about doing it. In: Conference Companion on Human Factors, Computing System, CHI’95. Chicago, 1995.
- NORMAN, D.; NIELSEN, J. The Definition of User Experience (UX). NNGroup. 2016. Disponível em: https://www.nngroup.com/articles/definition-user-experience/ . Acesso em: novembro de 2019.
- KUJALA, S., ROTO, V., VÄÄNÄNEN-VAINIO-MATTILA, K., KARAPANOS, E., SINNELÄ, A., UX Curve: A method for evaluating long-term user experience. Interacting with Computers, Interacting with Computers, volume 23, número 5, p. 473–483, 2011.
- SPROLL, S., PEISSNER, M., STUR C. From product concept to user experience. In: Proceedings of the 6th Nordic Conference on Human-Computer Interaction Extending Boundaries, NordiCHI ’10, Reykjavik, p. 473–482, Outubro de 2010.
- SCHULZE, K., KROMKER, H. A framework to measure user experience of interactive online products. In: Proceedings of the 7th International Conference on Methods and Techniques in Behavioral Research, MB10, Nova York, p. 1–5, número 14, Agosto de 2010.
- LAW, E. L.-C., ROTO, V., HASSENZAHL, M., VERMEEREN, A. P. O. S., KORT, J., Understanding, scoping and defining user experience: a survey approach. In: Proceedings of the 27th International Conference on Human Factors, Computing System, Boston, p. 719–728, Abril de 2009.
- MAIA, C. L. B., FURTADO, E. S. A Systematic Review About User Experience Evaluation, In: International Conference of Design, User Experience, and Usability. Toronto, p. 445–455, Julho de 2016.
- PETTERSSON, I., LACHNER, F., FRISON, A.-K., RIENER, A., BUTZ, A., A Bermuda Triangle? A Review of Method Application and Triangulation in User Experience Evaluation. In: Proceedings of the 2018 CHI, Conference on Human Factors in Computing Systems, Montreal, p. 1–16, Abril de 2018.
- HASSENZAHL, M. User experience (UX): Towards an experimential perspective on product quality. In: Proceedings of the 20th International Conference of the Association Francophone d’Interaction Homme-Machine, IHM ’08, p. 11–15, 2008.
- VERMEEREN, A. P. O. S., LAW, L. C. E., ROTO, V., OBRIST, M., HOONHOUT, J., User experience evaluation methods: current state and development needs. In: Proceedings of the 6th Nordic Conference on Human-Computer Interaction: Extending Boundaries, NordiCH’10, Reykjavik, p. 521–530, Outubro de 2010.
- ISO Defenition — https://www.iso.org/obp/ui/#iso:std:iso:9241:-210:ed-1:v1:en
- Usability Evaluation Considered Harmful (Some of the Time) 2008
- Too good to be bad: Favorable product expectations boost subjective usability ratings